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Assistência Social, Direitos Humanos e da Pessoa com Deficiência / Artigo

12 de Julho de 2016 09h58

Artigo – Sistema Único de Assistência Social na próxima década

*José Rodrigues Rocha Júnior

Josi Pettengill

Arquivo

Vivenciando um cenário nacional extremamente complexo, em um momento em que estão sendo questionados os acessos a direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, agravado o contexto em razão de uma crise econômica que assola o país, nós estamos avaliando o Plano Decenal que foi executado de 2005 a 2015 e em processo de construção de um novo, que nos dê referência de caminho a ser trilhado na Assistência Social de 2016 a 2026. O Plano Decenal é extremamente importante para uma Política Pública de Estado e não de Governo, que se tornou a Assistência Social no País. Por isso é necessário termos a construção, como fizemos na década passada, de rumos, diretrizes, horizontes a serem perseguidos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios nesse novo momento.

Um Plano Decenal que seja maduro, que aproveite as expertises já construídas na última década e que nos aponte caminhos para superar problemas históricos, porém não somente com análises gerais de contexto nacional, mas que possua particularidades de entender melhor as diversidades regionais e estaduais, apontando soluções para esses desafios.

Além disso, de quatro em quatro anos, elaboramos nossos Pactos de Aprimoramento da Gestão, com uma lógica que precisa ser modificada. Essa construção vinculada a prazos dos processos eleitorais, fez com que na última década tivéssemos construções de prioridades desconectadas, sendo pactuadas por municípios e estados, em momentos distintos, com intervalos de dois em dois anos, quando se renovaram as administrações municipais e estaduais. É necessário mudar a lógica de construção de prioridades nacionais, que era feita, ora para Estados e ora para Municípios. Além disso, as construções de prioridades nacionais foram feitas como se todos estivessem em um mesmo grau de maturação, de implementação e consolidação do SUAS.

Precisamos que uma nova forma de construção, afinal o Sistema é Único. Temos que ter construções de prioridades que atendam as especificidades dos municípios, porém que respeitem as diferenças das regiões do País e mais que isso, acreditando no aprimoramento do Sistema, entendendo que as construções devem ser realizadas em cada Estado da Federação, pactuando nas Comissões Intergestores Bipartite – CIB e após, sendo remetidas à Comissão Intergestores Tripartite – CIT, para que a União pactue, de modo distinto como irá apoiar a execução dos Pactos de Aprimoramento de Gestão, por Estado e por Município do País.

Inegável que inúmeros foram os avanços proporcionados à população brasileira, após a construção e implementação do SUAS a partir de 2005. Somente nesse momento, conseguimos ver materializado na realidade da população pobre e vulnerável, o acesso a diretos, que mesmo previstos na Constituição Brasileira desde 1988, foram negados aos mesmos, ao longo de nossa História.

A incorporação de fato do conceito de Dignidade Humana, trazendo para a população as noções de seus direitos e deveres, com foco na materialização da Justiça Social, compreendendo que todos somos iguais e devemos portanto buscar a efetivação desses direitos, com foco na redução das desigualdades sociais. Isso passa a ser o norte da construção desse processo do plano decenal, após as deliberações realizadas na Conferência Nacional de Assistência Social organizada pelo Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS em dezembro de 2015, precedida por conferências municipais e estaduais, realizadas em todos o País, com a participação efetiva de usuários, entidades não governamentais, trabalhadores, gestores, conselheiros e outros atores que estão presentes no cotidiano do SUAS como representantes do Sistema de Justiça e autoridades políticas no exercício do mandato.

É necessário avançar na lógica de definições das atribuições que estão afetas à Assistência Social no País. Não raramente, nos vemos diante de situações em que, sem saber o que fazer com o problemas, alguns dos atores que se relacionam com a Assistência Social, tendem a querer encaminhar para essa Política Pública, tudo o que não conseguem resolver em outras áreas da administração pública e por vezes, por carência de instrumentos que tragam essas definições com maior clareza e delimitação, os Gestores e Trabalhadores passam por situações extremamente difíceis que poderiam ser evitadas, caso tenhamos avanços na legislação e nas regulamentações do SUAS.

Necessário também que possamos aprimorar nossa forma de nos relacionar com as outras políticas públicas, nas ações transversais e na realização da tão conhecida intersetorialidade. As atividades cotidianas da Assistência Social demandam uma boa relação com as outras políticas públicas e também com outros atores que compõe essa rede de proteção.

Outro aspecto a ser aprimorado na próxima década deverá ser os meios e formas que temos hoje para o atendimento à população tradicional (ribeirinhos, quilombolas, ciganos, indígenas, extrativistas, dentre tantos outros que compõe essa rica diversidade brasileira). As ferramentas existentes e os meios que criamos até o presente momento, fez com que estejamos ainda em débito de uma melhor prestação de serviços para essa população. Conseguimos avançar muito na zona urbana, mas nosso grande desafio ainda é a prestação de serviços para a zona rural e para as populações tradicionais.

O Benefício de Prestação Continuada – BPC, infelizmente, não possui uma identidade com a Assistência Social. Comumente confundido com aposentadoria, LOAS ou um serviço do INSS, esse benefício socio-assistencial ainda não foi apropriado pela população como um direito garantido pela Assistência Social. O papel realizado na última década se resumiu a dotação orçamentária e repasses financeiros ao INSS, além disso, tivemos eventuais momentos de atualização cadastral, realizados pela Assistência Social dos municípios. Necessário aprimorar e vincular o acesso e a atualização ao Cadastro Único dos Programas Sociais – CadÚnico, para garantir não só esse benefício, mas também a outros programas, projetos, serviços e benefícios que são vinculados ao cadastro.

Na mesma lógica, necessário o aprimoramento do Programa Bolsa Família, que garante acesso ao mínimo necessário para subsistência da população pobre e vulnerável, mas ainda possui lacunas que demandam melhorias na eficiência do gasto.

Não se consegue prestar um serviço de qualidade, sem a necessária composição de equipe técnica de referência, bem como a permanente qualificação e remuneração adequada da mesma, a fim de que no exercício de suas atribuições esteja satisfeita com seu local de trabalho e portanto, conseguindo executar com eficiência as atribuições que estão sob suas responsabilidades. Há necessidade de revisitar o CapacitaSUAS e aprimorar a sua concepção e implementação, bem como de fomentar a realização de concursos públicos. Hoje já temos 40% (quarenta por cento) do total de mão de obra de trabalhadores do SUAS composta por servidores efetivos. É necessário continuar avançando. Ressalto aqui também a importância de capacitação dos Conselheiros dos Entes Federados.

Outro desafio que está posto é o de avançar na realização dos concursos públicos, com a vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, que limita o quantitativo de gastos com servidores públicos. Será imperioso rever a legislação e buscar avanços. O computo das despesas com pessoal, não leva em consideração o orçamento individualizado de cada política pública, medindo a Assistência Social com a mesma régua utilizada para dimensionar os gastos da Educação e da Saúde por exemplo, pois o percentual estabelecido é analisado do gasto total com pessoal. Outro aspecto a ser aprimorado é que não seja computado nessa análise percentual, os servidores que são contratados pelos municípios, com recursos repassados pelo Governo Federal e Governos Estaduais, pois são repasses de verbas públicas que compõe orçamentos de outros Entes Federados.

Proporcionar o acesso ao mundo do trabalho para os usuários do SUAS deve ser uma constante. Portanto ferramentas como o ACESSUAS Trabalho, não podem de forma alguma ficar vinculadas a uma única forma de execução dessa tarefa como aconteceu até recentemente com o Pronatec. A capacidade de articulação Intersetorial dos municípios para que a mobilização, o encaminhamento a cursos de qualificação profissional e o posterior acesso ao mundo do trabalho estão para muito além do que o Pronatec foi capaz de realizar. Logo, há necessidade de revisitar o Programa e aprimorá-lo para uma melhor eficiência em sua execução. Estamos há várias Conferências Nacionais deliberando sobre a necessidade de vinculação orçamentária para a Assistência Social. Dessa vez deliberamos que a União deverá destinar 15%, os Estados 10% e os Municípios 6%. Esse sem dúvida é um grande desafio. Primeiro, porque os Entes Federados já possuem várias vinculações orçamentárias e segundo, porque nós ainda não sabemos qual é o verdadeiro valor necessário para execução da Política de Assistência Social no País. Conseguimos saber sim, quanto cada Ente Federado gasta, conseguimos somar as quantias de nossos esforços, porém, não dimensionamos o atendimento à demanda reprimida, em especial na zona rural e o atendimento à população tradicional, que já mencionei acima. Com esse cenário, conseguir vincular investimento que não sabemos se será suficiente para fazer frente a nossa demanda, não será uma tarefa nada fácil. Teremos maior credibilidade para discutir o assunto, quando conseguirmos realmente dimensionar nossas necessidades de investimentos para com a Assistência Social no País.

Não há dúvidas de que necessitamos ainda expandir nossos serviços da proteção social básica e proteção social especial, com qualidade na oferta, focados no fortalecimento dos vínculos familiares. Acreditando em um melhor arranjo para essa formatação. Entendendo que os Governos Estaduais estão na busca ainda de uma identidade com o SUAS, pois não conseguem se enxergar através das competências que possuem como: monitoramento, capacitação e o famoso cofinanciamento, que anualmente é objeto de discussões nos Estados. Alguns Governos Estaduais, em determinados momentos nessa última década, se recusaram a realizar reuniões de CIB e a pagar os cofinanciamentos para os municípios (os CensoSUAS realizados pelo MDS anualmente demonstram isso).

Precisamos avaliar se em uma nova lógica de prestação de serviços, com vistas a conseguir expandi-los, dar ao Ente Estado uma nova identidade junto ao SUAS e aos usuários, mudando a competência de execução da proteção social especial de média e alta complexidade, passando a ser de responsabilidade dos Governo Estaduais, como ocorre no SUS. Nessa lógica, eles passariam a ser responsáveis pela execução direta de prestação dos serviços para os usuários, financiar esses serviços, implementar de fato a regionalização, com Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS Regionais, além de unidades de acolhimento que poderiam ser compartilhadas por vários municípios e gerenciadas por um processo de Regulação. Creio que seja uma pauta importante a ser discutida na CIT e no CNAS.

Muitos outros são os desafios que estão postos e que necessitaremos pauta-los no Plano Decenal, a fim de que possamos perseguir e alcançar esses objetivos.

*José Rodrigues Rocha Júnior é secretário de Assistência Social e Desenvolvimento Humano de Cuiabá-MT